sexta-feira, abril 27, 2012

Cultura, Consumo e Sistemas de Significação


Em “Cultura e razão prática”, Marshall Sahlins (1979) defende a idéia de que a sociedade capitalista, orientada pela racionalidade econômica, como que desprovida das dimensões culturais e do simbólico, é, na verdade, por si mesma, uma forma específica de ordem cultural, pois o universo da produção e do consumo constituem, por meio de suas estruturas econômicas e sociais, produção simbólica dessa sociedade. Vemos, portanto, que não apenas as sociedades ditas exóticas são providas de sistemas de significação que orientam sua dinâmica social, mas a dita racionalização econômica engendra sistemas de valores que passam a ordenar a sociabilidade e tornam-se representáveis por meio das atividades “racionalizantes” de produção e consumo de bens, produtos que, hoje em dia, são muito menos funcionais e muito mais representações simbólicas de estratos sociais e relações verticais de poder, servindo ao antropólogo como bons para pensar a sociedade em que circulam. Se a economia rege a estrutura e as dinâmicas sociais desses grupos, por que não convertê-la em reflexão antropológica em suas esferas mais representativas – a produção e o consumo que, como práticas verdadeiramente rituais das sociedades complexas, representam parte fundamental do sistema de representações na sociedade capitalista?
Podemos, portanto, argumentar que uma antropologia das sociedades complexas deva voltar seus esforços de investigação às estruturas determinantes de tais sociedades, e não à periferia delas, de forma que uma etnografia das relações capitalistas de produção e consumo constitui uma verdadeira etnografia das sociedades complexas, pois investiga não os resultados do sistema capitalista entre as minorias, mas a forma como esse sistema se constitui e se reproduz em suas esferas principais, pesquisando a maneira como sua dinâmica racionalizante orienta as determinantes culturais e os sistemas simbólicos dessas sociedades. Enfatizamos aqui a dimensão simbólica do consumo como prática de representação das estruturas de significação da sociedade capitalista. Consumir torna-se, sob o ponto de vista antropológico, verdadeira prática ritual que representa a organização social e o universo simbólico dessas sociedades, pois, conforme Jean Baudrillard (1997: 206),
o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global em que se funda todo o nosso sistema cultural [...]. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.
Esse modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é o deslocamento das relações interpessoais para a representação delas próprias por meio dos objetos. O indivíduo não consome a materialidade do produto (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de grandes marcas é menos importante que seu valor de representação), mas os significados que, por intermédio do produto, geram um conluio social em torno de valores compartilhados pela sociedade capitalista.

“Por uma etnografia das práticas de consumo” - Valéria Brandini
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Artur Mourão. Rio de Janeiro: 
Elfos, 1995.
______________.  Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 
1983.
______________. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1997