terça-feira, maio 28, 2013

RELIGIÕES CRISTÃS DESDE A IDEIA DE COMUNIDADE ATÉ A FÉ EGOCENTRADA



A proposta do Blog é trazer uma série de post's destinados ao tema RELIGIÕES CRISTÃS DESDE A IDEIA DE COMUNIDADE ATÉ A FÉ EGOCENTRADA, um trabalho brilhante de autoria de Marcos Nicolini*. A íntegra do trabalho está dividida em III partes. A Parte I está postada  abaixo, as demais estaremos postando na sequencia.  Espero que aproveitem nossas postagens e que fiquem à vontade para fazer comentários, tanto a respeito de nossa proposta quanto sobre o texto, caso desejarem dialogar com o autor. Vamos ao primeiro Post: a Parte I do texto:


O IBGE nos informa que os indivíduos que se autodenominam evangélicos no Brasil somam cerca de 22,16% da população em 2010. Espantoso crescimento de um contingente que totalizava 5,2% em 1970, ano em que fomos tricampeões mundiais de futebol no México. Crescimento percentual de 426% acima do crescimento da população brasileira no período. Contudo, há alguns estudiosos que prognosticam um patamar para a população autodenominada evangélica em torno de 30% a 35%. Assim, este crescimento há de reduzir de maneira assintótica até se equilibrar neste patamar. 

Estes números, no entanto, eclipsam as diferenças tensas entre os grupos, as ditas denominações evangélicas. Diferentemente da Igreja Romana que mantém sob o guarda-chuva do catolicismo um grande número de ordens que por vezes se tencionam e se estranham, não há no mundo evangélico a possibilidade de pensarmos um meta-conceito que uniformize, ou, congregue a todos. Não paira sobre o mundo evangélico uma capa que universalize crenças e valores em torno de pontos comuns mínimos. Em outras palavras, não é possível pensarmos no evangélico, mas em evangélicos cada vez que nos aproximamos mais destes grupos. Mais ainda, arriscaríamos em dizer, que sob esta sigla, evangélico, estão colocados grupos que não compartilham de crenças comuns mínimas que possam identifica-los como uma cristandade homogênea. Ainda que todos tenham em comum a crença cismática que esteve presente no Protestantismo e na Reforma. 

Mas, mesmo que tomemos o cisma, ou a dinâmica cismática desta religiosidade, não encontraremos um denominador comum que possa servir de crença comungada. Em outras palavras, cada cisma, cada ruptura, cada divisão se dá por uma causa própria. Além disso, aqueles grupos que nos séculos XVI e XVII se separaram da Igreja Católica Romana, hoje, passados quinhentos anos, já se consolidaram e reclamam certa tradição. Por conta disto, alguns ainda propõe que haja uma divisão entre os Evangélicos Históricos e os Evangélicos Pentecostais, havendo ainda quem proponha uma terceira onda, a dos Evangélicos Neopentecostais. 

Caso queiramos forçar um pouco certas unidades que busquem caracterizar o Cristianismo, podemos pensar, rusticamente, da seguinte maneira. Até o ano 1.057 d.C. havia certa unidade no que chamamos de cristianismo. Neste ano houve o primeiro grande cisma entre a Igreja Oriental, hoje chamada de Ortodoxa, e a Igreja Ocidental, chamada de Igreja Católica Romana. Certamente que podemos apontar tanto razões de cunho teológico, quanto de cunho político (não nos esquecendo que o Império Romano dividia sua sede em Roma e Constantinopla) para apontar motivações para tal divisão. Não é o caso aqui. No início do século XVI houve o Grande Cisma da Igreja no Ocidente com o Protestantismo e a Reforma, cujos ícones são Lutero e João Calvino.

Didaticamente poderíamos distinguir estes dois cristianismos ocidentais a partir de um núcleo “duro” que lhes confira identificação, assim como os distinga. Sabemos que definir crenças que nos identifiquem, também produz fronteiras que exclui outros. É por esta perspectiva que podemos pensar os núcleos “duros” dos cristianismos ocidentais, como tentativas de auto-identificação e de diferenciação.

Os Protestantes e Reformados buscaram, a partir do século XVI circunscrever seu núcleo “duro” de crenças a partir das seguintes proposições: Sola Deo Gloria, Sola Fides, Solo Christus, Sola Gratia e Sola Scriptura, a estas, se somaram o livre exame e o sacerdócio universal dos crentes. Em linhas gerais poderíamos explicar isto da seguinte maneira: a salvação é individual por meio da fé na graça de Deus, por meio de Jesus Cristo, o que deve render louvor apenas a Deus, conforme está escrito na Bíblia, qualquer um que ler a Bíblia, as Sagradas Escrituras, poderá chegar, pela ação do Espírito Santo, às mesmas conclusões, o que confere um caráter universal de que cada indivíduo é um sacerdote. Certamente que estas linhas sumarizam, mas deixam de fora muitos pontos, entre os quais o distanciamento que ao longo do tempo os Protestantes e Reformados adotaram para si destas proposições. Outro ponto a enfatizar é o caráter de uma religiosidade individual, cujo mote é “o justo viverá da fé”, adotado pelos Protestantes baseados nas palavras do apóstolo Paulo. O importante é percebermos a identidade produzida por estas proposições e como esta traça uma fronteira clara com o Catolicismo Romano. 

Com isto podemos pensar brevemente na Reforma Católica, ou também chamada de Contrarreforma. A salvação requer fé, mas uma tal que percebe a Igreja como providência de Deus para tanto, instituída por Jesus Cristo e que perpassa a história por meio tanto da instituição quanto do Papado. A Graça de Deus, por meio de Cristo é posta por meio da Igreja, depositária da salvação: fora da Igreja não há salvação. A fé, então, é na Graça providencial de Deus, por Jesus Cristo, cuja representação e guardiã é a Igreja. A Igreja Católica tem não apenas as Escrituras, a Bíblia como o texto que revela os mistérios de Deus, mas se faz acompanhar de todos aqueles textos que tanto elucidam as Escrituras, como tem o caráter de atualização das Escrituras no tempo. Não são textos distintos, um de cunho Sagrado e eterno, e outros de simples comentários, mas são textos complementares, um que revela e outros que atualizam a revelação dada de uma vez por todas. Estando, assim, além do simples comentário. Complementarmente, não há na Igreja Romana a experiência individual de salvação, mas sempre esta se dará no interior da Igreja e para corpo da Igreja. A Igreja Católica é coletiva, assim como as obras de caridade são solidárias à salvação do crente, enquanto no Protestantismo as obras são expressão da salvação.

Inúmeros movimentos chamados heréticos da Idade Média, principalmente os mais tardios, tinham como bandeira a salvação individual. Movimentos de cunhagem mística que reclamavam uma relação de Deus com o indivíduo. Não poucas vezes foram perseguidos e suprimidos, não por conta de suas doutrinas, ou modo de viver em comunidade, mas pelas críticas ao clero, à instituição e o teor individualizante de suas crenças. A questão da individualização das crenças e das experiências místicas está na não necessidade do clero e da Igreja como detentor da revelação e mediador da salvação. Joaquim de Fiore (1132-1202), por exemplo, perseguido por suas ideias, apregoava, como um hegeliano avant de lalettre, que a história estaria dividida em três momentos: primeiro o do Deus Pai, aquele que é apresentado no Velho Testamento, duro e guerreiro; segundo do Deus Filho, aquele do Novo Testamento, amoroso e reconciliador; terceiro o do Espírito Santo, com a supressão das instituições e do clero. Por certo que é mais pertinente dizermos que Hegel tenha se apropriado e secularizado as ideias de Fiore.

Podemos perceber, então, que as ideias enaltecidas pela Reforma Protestante não tem origem neste cisma religioso, mas que estavam em gestação na Idade Média. Por outro lado, a Igreja Católica buscou com sua Reforma não apenas marcar as diferenças diante dos cismáticos, como fazer frente aos desgastes da instituição desde o Renascimento, ou melhor, desde que as ideias aristotélicas entram na Europa espanhola. A Contrarreforma, ou Reforma Católica procura harmonizar a referência teológica Agostiniana-Neoplatônica, com a Tomista-Aristotélica, afastando-se dos Protestantes e Reformados, assim como absorver os críticos como Francisco de Assis. Por outro lado preparou-se para expandir suas fronteiras face aos novos mundos que se abriam, tanto na Ásia, quanto na África e América. Os Jesuítas, então, formaram a infantaria católica para a promoção da fé católica fora da Europa dividida.



*Bacharel em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutorando pelo Programa de Pós--Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.

sábado, maio 11, 2013

A LAICIDADE E A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS



Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França revolucionária (1789), a independência do Estado diante de qualquer religião tem sido evocada como um requisito indispensável para a efetivação do artigo 10 desse documento, que dizia o seguinte: 

"Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei." 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, contém várias referências a essa questão: no preâmbulo, proclama o advento de um mundo novo em que se goze da liberdade de crença; no artigo II afirma que os direitos e as liberdades devem ser gozados sem distinção de religião (entre outras condições), assim como, no artigo XVI, que afirma a liberdade de homens e mulheres maiores de idade contraírem matrimônio e fundarem uma família. Além dessas referências, há todo um artigo em que essa questão é ainda mais explícita, como na passagem abaixo: 

"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular." (artigo XVIII) 

Mas, se essa declaração foi tão amplamente apoiada pelos Estados saídos da II Guerra Mundial, a maneira como eles lidavam com os crentes e não crentes, e com as sociedades religiosas variava bastante. Em uns países, o Estado era confessional, isto é, havia religião oficial; em outros, o Estado era ateu, isto é, afirmava (e ensinava nas escolas) o caráter necessariamente alienado de toda e qualquer religião; outros, ainda, eram laicos. 

Uma laicidade estrita foi inserida na Constituição brasileira de 1892, por força da ideologia das elites políticas republicanas, de orientação liberal, maçônica ou positivista, mas desprovida de base popular. A constituição de 1934 abriu uma nova fase, expressa na fórmula da "colaboração recíproca", em moldes fascistas, que pretendia estancar a crise de hegemonia. Esse lema foi repetido nas Constituições posteriores, com pequenas mudanças formais, favorecendo aos dois lados da entente: as sociedades religiosas beneficiaram-se das entidades estatais para o exercício de sua atividade própria, enquanto o Estado recebeu um forte aliado na manutenção da ordem, com poucas exceções, localizadas e de curta duração. 

Em 1988, apesar da evocação da proteção divina aos constituintes, como se todos eles fossem crentes, a liberdade de crença religiosa foi garantida em dois incisos do art. 5º.: 


"É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias; (VI) 

"Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei." (VIII) 


Em suma, a Constituição brasileira assegura a liberdade de consciência e de crença, de organização religiosa e de culto, todas elas dimensões dos Direitos Humanos Fundamentais. Se essa foi uma importante conquista histórica, não é suficiente a ampliação desses direitos, que precisa mais do que isso carece da laicidade do Estado, de modo a não privilegiar uma religião em relação a outras, nem os crentes diante dos não crentes.

Fonte: Olé Observatório da Laicidade do Estado