sábado, agosto 25, 2012

RE-ENCANTAMENTO




Então existe o divino na atmosfera pós-moderna. O Re-encantamento, no sentido de que a eternidade não é mais esperada em hipotéticos outros mundos, religiosos ou políticos, que virão; e sim vivida no instante. Instante eterno, tudo de trágico se mistura, mas de intensidade igualmente, pois também trata-se de viver, aqui e agora, um prazer que não pretendemos adiar para amanhã. Eis o que induz a temática dionisíaca que se capilariza, de maneira teimosa, no todo do corpo social. Uma curiosidade que Heidegger consagra à meu querido deus resume bem tal sensibilidade teórica:

“[...] É Dionísio, o deus do vinho, que no meio da noite deixa aos mortais desprovidos dos deuses esse vestígio. Porque o deus do vinho guarda, neste e em seu fruto, a originária participação recíproca do céu e da terra, enquanto local de união dos deuses e dos homens [...]”

A co-participação do céu e da terra, da vegetação e dos homens, não é isso que celebram as festas pagãs as quais a atualidade não economiza. Aliás, é instrutivo perceber que mesmo as tribos de música techno ou gótica, sem conhecimento específico do gesto dionisíaco vão, frequentemente e com ostentação, abrigar-se debaixo do homônimo de Dionísio. Homônimo? Eles nem mesmo sabem o que isto significa.

Pouco importa, pois ao utilizá-lo eles anteveem que este deus “leva” o nome da “coisa” que eles vivem: a exuberância, a expansão do prazer no aqui e agora. Sim, pode ser que nos cultos extáticos dos agrupamentos musicais haja esta celebração sem freio de forma demasiada. Percebemos isso, a meu ver, nas histerias religiosas e no transbordar de alegria nas noites de vitórias eleitorais. É também o caso das cerimônias fúnebres no caso da morte de alguma estrela musical, religiosa ou política. Em suma, há o emocional no ar.

Michel Maffesoli

domingo, agosto 12, 2012

UM MUNDO DESENCANTADO

Quando olhamos para o mundo moderno verificamos uma virada no significado e no valor da ciência. Se antes a ciência e a política estavam unidas - a ciência estabelecendo regras práticas/morais para os homens, dando um sentido à existência humana -, na modernidade a situação muda completamente. Para o sociólogo Max Weber, se antes as ciências exatas ou naturais esperavam descobrir traços das intenções divinas, por meio do exame da natureza, ou seja, encontrar a caminho que nos conduziria a Deus, hoje, no mundo desencantado, é raro encontrar quem acredite que os conhecimentos astronômicos, biológicos, físicos ou químicos possam ensinar-nos algo a propósito do sentido do mundo, pois são esses conhecimentos científicos que extirpam qualquer possibilidade de existência de significado no universo. E isso é iniciado pela filosofia Bacon/Cartesiana, embora nelas ainda estivesse presente uma concepção de ciência que, como técnica de domínio da natureza,  nos levaria a algo que se aproximaria do bem viver.


No discurso do método, Descartes se propõe a construir conhecimentos "que sejam muito úteis à vida", pois conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os corpos que nos cercam (...) poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. E com isso permitindo-nos gozar dos frutos da terra e [de] todas as comunidades que nela se acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.


Diferentemente, Weber considera que uma das contribuições que a ciência não poderia dar é justamente essa:

"Depois da devastadora crítica feita por Nietzsche aos "últimos homens" que inventaram a felicidade, posso deixar totalmente de lado o otimismo ingênuo no qual a ciência - isto é, a técnica de dominar a vida que depende da ciência - foi celebrada como caminho para a felicidade. Quem acredita nisso? - à parte algumas poucas crianças grandes que ocupam cátedras universitárias".

Nesse sentido, a posição cartesiana seriam as últimas manifestações de uma concepção de ciência e de homem e, ao mesmo tempo, o alvorecer de um novo entendimento e de uma atitude que demonstraria a nossa incapacidade de atribuir um significado último e objetivo sobre o mundo. Foram destruídas as ilusões em que outrora se pautava - o caminho ao "verdadeiro Deus" , à "verdadeira arte", à "verdadeira natureza", "à verdadeira felicidade". No mundo, agora destituído de sentido de um 'valor último' que o explique e o unifique, a ciência é, atualmente, uma vocação alicerçada na especialização e posta a serviço de uma tomada de consciência de nós mesmos e do conhecimento das relações objetivas. (Weber, 1995, p. 47).

Ela não seria mais produto de revelações, nem graça que um profeta ou visionário pudesse ter recebido para assegurar a salvação das almas. Não haveria mais lugar no mundo para essa mistificação esperançosa da ciência. O mundo perdeu aquele sentido universal, teleológico, como encontrado no pensamento metafísico/religioso. Essa perda de sentido seria resultado do esvaziamento que as grandes concepções do mundo teriam sofrido. O mundo desencantado teria separado a busca do saber da busca do bem viver. Não se procura o saber para viver de acordo com verdades descobertas pela ciência. Essa não busca não deve e não pode ter a finalidade de indicar aos homens os caminhos que devem seguir as normas a que devem sujeitar a sua existência. A racionalização intelectualista teria deixado no coração dos homens um grande vazio, tornando a existência humana cada vez mais fútil, menos digna de ser vivida, uma existência em que os homens se enfastiam, cansam-se e não se saciam da vida.