sábado, novembro 24, 2012

ANDAR COM AS PRÓPRIAS PERNAS


Somos grandes tolos!! 
"Ele passou uma vida de ócio", dizemos. "Não fiz nada hoje". 
O quê, então não viveram?
Essa ocupação é não apenas fundamental como também a mais ilustre que temos.
"Se tivesse sido colocado numa posição de poder, teria mostrado o que era capaz de fazer". Conseguiu organizar e gerir a própria vida? Realizou a maior tarefa de todas. 

Para mostrar e explorar os seus recursos, a Natureza não precisa de fortuna. Exibe-se de igual forma a todos os níveis e velada, bem como descoberta. 
O nosso dever é compor o nosso caráter, não livros, e conquistar, não guerras e províncias, mas ordem e tranquilidade em nossa conduta. 

A nossa maior e mais gloriosa obra-prima é viver de forma adequada. Todo o resto: governar, amealhar, construir, são, quando muito, os nossos pequenos apêndices e adereços.

Saber apreciar o sermos válidos é uma perfeição absoluta e quase divina. Procuramos outras posições porque não entendemos o uso das nossas, e saímos de nós porque não sabemos como é o nosso interior. Contudo, de nada vale subirmos sobre muletas, pois continuamos a ter de andar com as próprias pernas. E mesmo no mais elevado de todos os tronos, continuamos sentados no nosso traseiro.

Michel de Montaigne "Sobre a experiência"

quinta-feira, novembro 15, 2012

BOURDIEU E ALGUNS CONCEITOS DO "CAMPO" RELIGIOSO



Pierre Bourdieu (1930 – 2002) é um dos Sociólogos (apesar da formação Filosófica) mais lidos e estudados do mundo. Atribui-se a ele a definição de “campo”, seja religioso, político ou artístico, enquanto espaço social estruturado por meio de diferentes posições, com propriedades particulares e cuja dinâmica depende dessas posições para se manter, independentemente de quem as ocupe.

Segundo Bourdieu, a gênese do campo religioso remete ao processo de aparição e desenvolvimento das cidades na Idade Média, acompanhado pelo gradual desaparecimento da relação racionalista do homem com a vida, relação essa que passaria a orientar a busca do “sentido” da existência.

Esse processo fomentou a constituição tanto de um corpus estruturado de conhecimentos secretos, raros, como de instâncias especificamente organizadas para difundir “bens religiosos”, ou o capital simbólico de cada grupo, observando-se ainda uma paulatina moralização das práticas e das representação religiosas a partir de então.

O conceito de campo desenvolvido por Bourdieu, enfatiza a existência de tensões, de lutas por poder dentro de cada campo. Isso se manifesta, por exemplo, quando novas pessoas, novas idéias, buscam legitimar sua posição em relação a um grupo ou a uma normativa dominante, que, por sua vez, tenta defender a sua posição excluindo a concorrência e não legitimando o novo.

Bourdieu afirma ainda que o dominante num campo religioso é o conjunto de pessoas que detém o capital simbólico específico desse campo, composto por regras, crenças, técnicas, conhecimentos, história, hierarquia. Ao fazer uso desse capital simbólico, o dominante busca manter-se no poder, fundamentando sua autoridade com base nesse capital simbólico e tendendo à defesa da ortodoxia e à busca pela exclusão dos recém-chegados que, então, adotam estratégias de subversão como as da heresia, para construir a sua legitimidade própria.

Bourdieu também aponta para a existência de uma divisão social do trabalho na dinâmica dos campos religiosos e ressalta especificamente duas posições sociais assumidas por seus integrantes: a dos sacerdotes, entendidos como aqueles detentores de uma autoridade legitimada pelo grupo dominante, e a dos profetas que, em oposição ao grupo dominante, representam a força carismática e herética de novas posições ideológicas dentro do campo religioso.

Segundo Bourdieu, os sacerdotes dispõem de autoridade de função, que dispensa conquista, continuamente confirmada em virtude do fato de sua autoridade ser legitimada pela função, pela posição ocupada no campo religioso. Já a autoridade do profeta deve ser sempre conquistada, no conjunto de determinado estado de relação de forças. Nas palavras do autor:

            “O profeta opõe-se ao corpo sacerdotal da mesma         forma que o descontínuo ao contínuo, o extraordinário ao ordinário, o extracotidiano ao cotidiano, ao banal, particularmente no que concerne ao modo de exercício da ação religiosa, isto é, à estrutura temporal da ação de imposição e de inculcação e os meios a que ela recorre” (Bourdieu 1992:89)

BOURDIEU, Pierre (1992), Economia das trocas simbólicas. Rio de Janeiro: Perspectiva.

sexta-feira, novembro 02, 2012

CONHECIMENTO E FELICIDADE


Os animais não parecem infelizes, pelo menos não da mesma forma que os seres humanos. Tal como Walt Whitman escreveu, em "Song of Myself": 

                Creio que poderia voltar e viver entre os animais.... eles são tão plácidos e contidos,
                Nem um é infeliz em toda a vasta terra.

Muitos seres humanos são infelizes devido àquilo que sabem, ou por causa do que não sabem. A ignorância é uma bem-aventurança desde que continue a ser ignorância. Assim que alguém descobre que é ignorante, essa pessoa começa a querer não ser assim. No caso dos gatos, isso é chamado curiosidade. No caso da humanidade, é algo mais profundo e ainda mais essencial.

Quando percebemos que não sabemos , o desejo de conhecimento é universal e provavelmente irresistível. Foi a tentação original da humanidade, e não há homem ou mulher, e especialmente criança, que o possa suprimir durante muito tempo. Mas, tal como disse Shakespeare, é um desejo que cresce com aquilo de que se alimenta. É impossível saciar a sede de conhecimento e, quanto mais inteligentes formos, mais isso se torna verdadeiro.

Ao conhecimento do particular falta a qualidade da insaciabilidade essencial. O mesmo pode ser dito da fé que ultrapassa o entendimento. Assim, e desde tempos imemoriais, a única cura eficaz para a doença que e o desejo insaciável de conhecimento é a fé, a graça de Deus.

Nossos mais remotos ancestrais poderão ter tido um equivalente primitivo da fé. Milhões de ancestrais mais recentes tiveram-na, ou disseram que a tinham. Mas será que existem muitos seres humanos dos nossos dias que se sintam confortáveis com o conhecimento que possuem, sem desejar mais? Ou será que a doença do conhecimento insaciável se transformou numa epidemia entre todos os povos da Terra?

Excerto do livro "Uma breve história do Conhecimento" de autoria de Charles Van Doren. Editora Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2012.

sábado, outubro 27, 2012

CENÁRIO RELIGIOSO BRASILEIRO (2000 x 2010)



       2000                  2010                         %
Católica Total 125.518.774 123.972.524 -1,23
  Católica Apostólica Romana 124.980.132 123.280.172 -1,36
  Católica Apostólica Brasileira 500.582 560.781 12,03
  Católica Ortodoxa 38.060 131.571 245,69
Evangélicas Total 26.184.941 42.275.440 61,45
   de missão total 6.939.765 7.686.827 10,76
     Batista 3.162.691 3.723.853 17,74
     Adventista 1.209.842 1.561.071 29,03
     Luteranas 1.062.145 999.498 -5,90
     Presbiterianas 981.064 921.209 -6,10
     Metodista 340.963 340.938 -0,01
     Congregacional 148.836 109.591 -26,37
     Outras 34.224 30.666 -10,40
  De origem Pentecostal Total 17.617.307 25.370.484 44,01
     Assembléias de Deus 8.418.140 12.314.410 46,28
     Congregação Cristã no Brasil 2.489.113 2.289.634 -8,01
     Universal do Reino de Deus 2.101.887 1.873.243 -10,88
     Evangelho Quadrangular 1.318.805 1.808.389 37,12
     Deus é Amor 774.830 845.383 9,11
     Maranata 277.342 356.021 28,37
     Brasil para Cristo 175.618 196.665 11,98
     Casa da Benção 128.676 125.550 -2,43
     Nova Vida 92.315 90.568 -1,89
     Outras 1.840.581 5.267.029 186,16
Sem vínculo institucional Total 1.046.487
     de origem Pentecostal 336.259
     Outras 710.227
Outas Evangélicas (Não determinada) 581.383 9.218.229 1.485,57
Espírita 2.262.401 3.848.376 70,10
Outras Cristãs Total 1.540.064 1.619.717 5,17
     Testemunhas de Jeová 1.104.886 1.393.208 26,10
     Mórmon 199.645 226.509 13,46
     Outras 235.533
Umbanda 397.431 407.331 2,49
Budismo 214.873 243.966 13,54
Novas religiões orientais Total 151.080
    Messiânica mundial 109.310 103.716 -5,12
    Outras 41.770
Candomblé 125.582 167.363 33,27
Judaísmo 86.825 107.329 23,62
Tradições esotéricas 58.445 74.013 26,64
Islâmica 27.239 35.167 29,11
Espiritualista 25.889 61.739 138,48
Tradições indígenas 17.088 63.082 269,16
Hinduísmo 2.905 5.675 95,35
Outras religiosidades 15.484 11.306 -26,98
Outras religiões orientais 7.832 9.675 23,53
Sem religião Total 12.492.403 15.335.511 22,76
     Sem Religião 14.595.979
     Ateu 615.096
     Agnóstico 124.436
Sem declaração 383.953
Não determinada 357.648 628.219 75,65
Declaração de múltipla religiosidade 15.379
Fonte: IBGE - 2000 / 2010
Colaboração: Claudecir Bianco

sexta-feira, outubro 12, 2012

RELIGIÃO E SOFRIMENTO


Finalizando mais uma leitura bastante interessante e instigante: "Religião, Psicopatologia & Saúde Mental" de autoria do Professor Doutor Paulo Dalgalarrondo. O autor sintetiza na obra mais de 15 anos de pesquisas realizadas na área, onde aproxima o fenômeno "religião" passando por disciplinas como psicopatologia, psicanálise, psicologia, antropologia e sociologia da religião. 

A obra é dividida em duas partes, na primeira Dalgalarrondo faz uma aproximação do fenômeno religioso com a psicopatologia e saúde mental, onde considera o tema partindo do aspecto coletivo para o individual, do fenômeno sociocultural à experiência psicopatológica. Nesta parte do livro são tratados assuntos como religião (definição do fenômeno religioso) nas diversas tradições, assim como, esclarece sob sob o aspecto semântico não apenas a religião, mas também a religiosidade, a espiritualidade,  a fé, a mística e a magia. Destaco nesta primeira parte o olhar do autor para o tema sociedade e cultura, bom como a reunião de informações sobre o campo teórico com foco no indivíduo.

No sexto capítulo o autor descreve com detalhe as pesquisas epidemiológicas em saúde física e mental e religião, trata de assuntos relacionados a: Religião, saúde e transtornos mentais nas pesquisas médicas e epidemiológicas, Religião e uso nocivo de álcool e drogas, Religião e depressão, Religião e suicídio, Religião e outros transtornos mentais, Religião e esquizofrenia etc. 

Na Segunda parte o livro apresenta um balanço entre teoria e investigação empírica no campo "saúde mental e religião" na contemporaneidade, reflete sobre estudos empíricos do tema proposto: Religião e saúde mental. O capítulo 10 tem como título: Religião como sistema privilegiado de constituição de sentido e ressignificação do sofrimento e traz uma análise muito interessante a respeito da Religiosidade brasileira, onde considera o contraponto: aflição x demanda.

A conclusão do Doutor Paulo Dalgalarrondo, que tem como base todo seu universo de pesquisa, é que a religião, em muitos casos abriga a contradição, podendo ser positiva e negativa simultaneamente para o indivíduo e para o grupo social. Ao mesmo tempo que causa libertação e aprisionamento, uma consciência maior e alienação, alívio e sofrimento, nas palavras do autor:

"a religião se dirige fundamentalmente para a construção de um significado plausível e para o apaziguamento da dor e do sofrimento, sejam eles relacionados à doença, à morte ou à miséria, mesmo sendo tais dimensões fundamentais, não creio que a religião se restrinja a elas. Ela é algo mais; visa mais do que fornecer significado e aplacar a dor. Responde a um desejo por transcender a vida cotidiana, a uma avidez por mistério, por acolher e ao mesmo tempo ir ao encontro do absurdo de nossa condição."

sábado, setembro 29, 2012

A IGREJA TEM SALVAÇÃO?


Terminei a leitura do livro "A Igreja tem Salvação?", de um dos mais (se não o mais) renomados Teólogos Católicos da atualidade: Hans Küng. A visão geral do livro pode (e deve) ser lida no link: http://migre.me/aV2d7 do nosso grande Teólogo Católico Leonardo Boff. Nesta sucinta resenha Leonardo Boff resume exatamente a essência da obra e me deixa sem palavras para acrescentar algo, vale a leitura

O Blog contudo, gostaria de acrescentar algumas linhas contidas na obra de Hans Küng e referidas por ele como "conjunto de ideias que dão conta de como salvar a Igreja" e que já há muito o autor vem considerando em quatro enunciados, que, segundo ele próprio podem ser tomados por bivalentes. A essa visão de conjunto - vale não só para a Igreja Católica - observando os últimos anos, só confirmam essa necessidade urgente. São as seguintes:

1) A Igreja a ser salva não deve ser uma Igreja retroativamente voltada para a Idade Média ou para o tempo da Reforma, ou mesmo uma Igreja caída de amores pelo Iluminismo. A Igreja que pode sobreviver, no entanto, é aquela orientada para as origens cristãs e ao mesmo tempo voltada aos problemas que exigem solução hoje.

2) A Igreja a ser salva não é uma Igreja patriarcalista, aferrada a uma imagem feminina estereotipada, de linguagem exclusivamente masculina e de papéis predefinidos de maneira sexista.

3) A Igreja a ser salva não é uma Igreja de exclusividade confessionalista e de visão ideologicamente estreita, capaz de arrogantemente dar as costas aos fiéis, num ato de rejeição à comunidade. A Igreja que deve sobreviver é uma Igreja ecumenicamente aberta, praticante de um ecumenismo que se origina em seu seio e torna consequentes as muitas palavras e também atos ecumênicos, bem como reconhecimento oficial desses atos, a supressão de todas as excomunhões e validação de um caráter geral para a comunidade da Santa Eucaristia.

4) A Igreja a ser salva não é uma Igreja de representação eurocêntrica, de prerrogativa exclusivamente cristã e de imperialismo romano. Só pode sobreviver uma Igreja que seja universal e tolerante, que tenha respeito por uma verdade sempre maior e que por isso procure aprender também com as outras religiões, permitindo determinada autonomia nos níveis nacional, regional e local. Uma Igreja que precisamente desse modo seja respeitada pelas pessoas - cristãs ou não cristãs.

Finaliza a obra (excepcional em minha opinião) repetindo a pergunta do título e manifestando o desejo ardente de alguém que verdadeiramente ama a Igreja: "A Igreja tem salvação? Minha esperança é não deixar de acreditar que ela há de sobreviver."

KÜNG, Hans. A Igreja tem salvação?. Paulus, 2012. São Paulo.

domingo, setembro 16, 2012

TRÂNSITO RELIGIOSO


Houve tempo em que a mudança de religião representava uma ruptura cultural. Além de ruptura com a própria biografia, com adesão a novos valores, mudança de visão de mundo, adoção de novos modelos de conduta etc. a conversão era um drama, pessoal e familiar, representava uma mudança drástica de vida. Mas, o que significa hoje mudar de religião? Quando a religião parece não comover mais ninguém? Quando mudar de religião é encarado como se um direito líquido e certo de seres que já estão transformados (e são considerados) numa espécie de consumidor, consumidores religiosos, como estão sendo chamados esses "conversos"?

A resposta vem de Antonio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi, dois dos mais destacados estudiosos e observadores dos fenômenos religiosos no Brasil. 

"Certamento o drama não é tão profundo (Pierucci e Prandi, 1996 e Prandi, 2001b)."

Segundo observações e estudos aprofundados destes dois ícones acadêmicos brasileiros, as mais díspares religiões, surgem nas biografias dos adeptos como alternativas que se pode pôr de lado facilmente, que se pode abandonar a uma primeira experiência de insatisfação ou desafeto, a uma mínima decepção. São inesgotáveis as possibilidades de opção, intensa a competição entre elas, fraca sua capacidade de dar a última palavra. A religião de hoje é a religião da mudança rápida, da lealdade pequena, do compromisso descartável.

domingo, setembro 02, 2012

O MERCADO RELIGIOSO SEGUNDO PETER BERGER



Segundo Peter Berger, a religião passa por uma crise das suas estruturas de plausibilidade, isto é, com o fim da metafísica, da escatologia e o advento da modernidade, foi tirada da religião a função de sustentar e explicar a realidade.

A crise da religião é um dos efeitos claros da secularização, "o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos". Com o fim da função da religião como ordenadora do cosmos, entramos numa situação de pluralismo onde todas as instituições podem explicar e fundamentar a realidade.

O pluralismo é uma situação objetiva, real, de algo que já aconteceu dentro do indivíduo, em sua consciência. Neste sentido a adesão à religião passa a ser voluntária, dependendo da escolha e da preferência do indivíduo e, por isso, é uma religião limitada à vida privada sem, com isso, desempenhar a tarefa anteriormente clássica de "construir um mundo comum no âmbito do qual toda vida social recebe um significado último que obriga a todos".

Para conseguir a adesão de fiéis-clientes, a religião tem agora que usar da lógica da economia de mercado, pois o pluralismo é uma situação de mercado. As tradições religiosas podem ou não ser assumidas como comodidades de consumo. Além disso, as tradições religiosas têm que disputar a "definição da realidade com rivais socialmente poderosos e legalmente tolerados".

Na situação de pluralismo as tradições religiosas são agências de mercado, elas sofrem uma pressão por resultados que provoca a racionalização das estruturas criando assim as suas burocracias. A burocracia se expande para as relações sociais internas (administração) e as relações sociais externas (instituições religiosas com instituições sociais) Ou seja, todas as relações sociais são burocratizadas para minimizar gastos (tempo, dinheiro) e maximizar os resultados, para poder se relacionar com a sociedade, o Estado e outras instituições e para executar métodos de trabalhos conjuntos.

A montagem dessa administração religiosa exige formação e seleção de pessoal adequado, hábil, tanto funcional quanto psicologicamente. Isso faz com que as diferenças entre as diversas tradições religiosas sejam diminuídas. A liderança religiosa burocrática é semelhante ao burocrata de outras instituições: "ativista, pragmático, alheio a qualquer reflexão administrativamente irrelevante, hábil nas relações interpessoais, ‘dinâmico’ e conservador ao mesmo tempo".

Bibliografia
BERGER, Peter L. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião: Paulus, 1985

sábado, agosto 25, 2012

RE-ENCANTAMENTO




Então existe o divino na atmosfera pós-moderna. O Re-encantamento, no sentido de que a eternidade não é mais esperada em hipotéticos outros mundos, religiosos ou políticos, que virão; e sim vivida no instante. Instante eterno, tudo de trágico se mistura, mas de intensidade igualmente, pois também trata-se de viver, aqui e agora, um prazer que não pretendemos adiar para amanhã. Eis o que induz a temática dionisíaca que se capilariza, de maneira teimosa, no todo do corpo social. Uma curiosidade que Heidegger consagra à meu querido deus resume bem tal sensibilidade teórica:

“[...] É Dionísio, o deus do vinho, que no meio da noite deixa aos mortais desprovidos dos deuses esse vestígio. Porque o deus do vinho guarda, neste e em seu fruto, a originária participação recíproca do céu e da terra, enquanto local de união dos deuses e dos homens [...]”

A co-participação do céu e da terra, da vegetação e dos homens, não é isso que celebram as festas pagãs as quais a atualidade não economiza. Aliás, é instrutivo perceber que mesmo as tribos de música techno ou gótica, sem conhecimento específico do gesto dionisíaco vão, frequentemente e com ostentação, abrigar-se debaixo do homônimo de Dionísio. Homônimo? Eles nem mesmo sabem o que isto significa.

Pouco importa, pois ao utilizá-lo eles anteveem que este deus “leva” o nome da “coisa” que eles vivem: a exuberância, a expansão do prazer no aqui e agora. Sim, pode ser que nos cultos extáticos dos agrupamentos musicais haja esta celebração sem freio de forma demasiada. Percebemos isso, a meu ver, nas histerias religiosas e no transbordar de alegria nas noites de vitórias eleitorais. É também o caso das cerimônias fúnebres no caso da morte de alguma estrela musical, religiosa ou política. Em suma, há o emocional no ar.

Michel Maffesoli

domingo, agosto 12, 2012

UM MUNDO DESENCANTADO

Quando olhamos para o mundo moderno verificamos uma virada no significado e no valor da ciência. Se antes a ciência e a política estavam unidas - a ciência estabelecendo regras práticas/morais para os homens, dando um sentido à existência humana -, na modernidade a situação muda completamente. Para o sociólogo Max Weber, se antes as ciências exatas ou naturais esperavam descobrir traços das intenções divinas, por meio do exame da natureza, ou seja, encontrar a caminho que nos conduziria a Deus, hoje, no mundo desencantado, é raro encontrar quem acredite que os conhecimentos astronômicos, biológicos, físicos ou químicos possam ensinar-nos algo a propósito do sentido do mundo, pois são esses conhecimentos científicos que extirpam qualquer possibilidade de existência de significado no universo. E isso é iniciado pela filosofia Bacon/Cartesiana, embora nelas ainda estivesse presente uma concepção de ciência que, como técnica de domínio da natureza,  nos levaria a algo que se aproximaria do bem viver.


No discurso do método, Descartes se propõe a construir conhecimentos "que sejam muito úteis à vida", pois conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os corpos que nos cercam (...) poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. E com isso permitindo-nos gozar dos frutos da terra e [de] todas as comunidades que nela se acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.


Diferentemente, Weber considera que uma das contribuições que a ciência não poderia dar é justamente essa:

"Depois da devastadora crítica feita por Nietzsche aos "últimos homens" que inventaram a felicidade, posso deixar totalmente de lado o otimismo ingênuo no qual a ciência - isto é, a técnica de dominar a vida que depende da ciência - foi celebrada como caminho para a felicidade. Quem acredita nisso? - à parte algumas poucas crianças grandes que ocupam cátedras universitárias".

Nesse sentido, a posição cartesiana seriam as últimas manifestações de uma concepção de ciência e de homem e, ao mesmo tempo, o alvorecer de um novo entendimento e de uma atitude que demonstraria a nossa incapacidade de atribuir um significado último e objetivo sobre o mundo. Foram destruídas as ilusões em que outrora se pautava - o caminho ao "verdadeiro Deus" , à "verdadeira arte", à "verdadeira natureza", "à verdadeira felicidade". No mundo, agora destituído de sentido de um 'valor último' que o explique e o unifique, a ciência é, atualmente, uma vocação alicerçada na especialização e posta a serviço de uma tomada de consciência de nós mesmos e do conhecimento das relações objetivas. (Weber, 1995, p. 47).

Ela não seria mais produto de revelações, nem graça que um profeta ou visionário pudesse ter recebido para assegurar a salvação das almas. Não haveria mais lugar no mundo para essa mistificação esperançosa da ciência. O mundo perdeu aquele sentido universal, teleológico, como encontrado no pensamento metafísico/religioso. Essa perda de sentido seria resultado do esvaziamento que as grandes concepções do mundo teriam sofrido. O mundo desencantado teria separado a busca do saber da busca do bem viver. Não se procura o saber para viver de acordo com verdades descobertas pela ciência. Essa não busca não deve e não pode ter a finalidade de indicar aos homens os caminhos que devem seguir as normas a que devem sujeitar a sua existência. A racionalização intelectualista teria deixado no coração dos homens um grande vazio, tornando a existência humana cada vez mais fútil, menos digna de ser vivida, uma existência em que os homens se enfastiam, cansam-se e não se saciam da vida.

domingo, julho 15, 2012

O CONCEITO DE DEUS EM KANT


No tocante à possibilidade de conhecer a Deus pela razão teorética, Kant também adotou uma posição agnóstica. Segundo ele, a razão especulativa não logra demonstrar a existência de Deus com certeza.  Essa posição do filósofo de Königsberg teve conseqüências enormes. Ainda hoje muitas pessoas pensam não valer a pena ocupar-se do problema de Deus e de provas para sua existência, por ter Kant demonstrado, uma vez por todas, ser impossível arrolar argumentos. De si, para discutir esse assunto, dever-se-ia tomar em consideração o sistema kantiano em sua totalidade. Aqui vamos limitar-nos a algumas achegas.

A tese agnóstica relativa à existência de Deus constitui a conseqüência lógica da concepção de Kant, no concernente à teoria do conhecimento, isto é, relativamente às categorias de espaço e tempo. A conseqüência é evidente: só logramos conhecer e afirmar com certeza o que é acessível à experiência dos sentidos, ou melhor, o que se enquadra nas categorias de espaço e tempo. Kant, porém, está convencido de que pertence à natureza do pensamento sintetizar tudo numa unidade fundamental. Ao mesmo passo, a idéia de Deus encerra uma função reguladora. É, pois, mister frisar que Kant jamais negou a existência de Deus. Ele apenas afirmou que a razão pura não consegue dar uma resposta positiva nem negativa, fundada cientificamente, a respeito da existência de Deus. Restringindo a certeza do conhecimento à razão pura, com suas categorias, o filósofo Kant negou o acesso à metafísica.

Depois de espalhar ruínas acumuladas pela crítica da razão pura, Kant empreende a reconstrução filosófica. A base é a obrigação moral, o Sollen, o imperativo categórico, o qual nada mais é do que o dever oriundo da voz da consciência. A fórmula mais simples do imperativo categórico reza assim: “Procede em todas as tuas ações de modo que a norma do teu agir possa ser elevada a categoria de lei universal”. 

Isso significa que o homem sente-se livre. Ora, a liberdade é uma faculdade espiritual que tem sua sede na alma. Se não fora livre, não poderia haver obrigação moral. Portanto, liberdade e alma são postulados irrefugíveis. Porém, há mais. Não deve o homem agir esperando recompensa numa outra vida. Mister se faz pautar-se tão-só pelo  Sollen. Para Kant, a alma é imortal. Nesta vida, a virtude nunca é completa, motivo por que só numa outra vida a felicidade pode ser plena. Só um Deus justo é capaz de replenar o desejo de total felicidade. Torna-se necessário relevar que a idéia do dever, da qual Kant deriva verdades não-cognoscíveis pela razão pura, não aponta para uma verdade científica ou filosófica, mas constitui uma fé moral, uma certeza de fé.


Fonte: É IMPOSSÍVEL CONHECER DEUS PELA RAZÃO? Reinholdo Aloysio Ullmann

sábado, junho 30, 2012

O CONCEITO DE DEUS EM SPINOZA



O Deus de Spinoza é a substância única, ou, por outras palavras, aquilo além do que nada pode existir nem ser concebido. Essa definição afirma Deus como a totalidade do ser, mas o ser, a Natureza, não corresponde a um horizonte sem limites estendido sobre a eternidade: o ser é as coisas que são. Começar pelo absoluto, isto é, pelo que não se determina por nenhuma relação ou diferença singular, é o mesmo que começar pelo nada. 


Hegel objetará que o vazio da filosofia de Spinoza está na idéia de uma substância que, apreendida sem mediação dialética anterior, é apenas o abismo informe que engolfa todas as coisas. A tese de Althusser, porém, vai em outra direção: o Deus de Spinoza não é diferente da Natureza, “ele é unicamente Natureza”. Deus não pode ser um ponto de partida, uma vez que não existe como objeto determinado ou cuja definição envolva uma relação. 


Começar por Deus significa começar de qualquer lugar, nunca de um início. Spinoza não se reporta a uma origem ou sentido, não edifica sua ontologia sob a sombra imensa de um Criador dotado de inteligência e vontade: o ser é a produção do ser, a eterna constituição de sua atualidade. 

sábado, junho 23, 2012

O CONCEITO DE DEUS EM KIERKEGAARD




O importante é entender –me a mim mesmo, é perceber o que Deus realmente quer que eu faça; o importante é achar uma verdade que é verdadeira para mim, achar a idéia em prol da qual posso viver e morrer” Journals p.44. In Filosofia e Fé Cristã, Colin Brown 

Em 1848, Kierkegaard passou pela experiência de conversão e registrou em um de seus Jounals o seguinte testemunho: “A totalidade do meu ser está transformada... Mas a crença no perdão dos pecados significa crer que aqui no tempo o pecado é esquecido por Deus, que é realmente verdade que Deus o esquece.” Kierkegaard se opunha a Hegel e ridiculariza os argumentos abstratos da metafísica especulativa. Ele escreve sobre Hegel em 1850: 

“Quantas vezes demonstrei que fundamentalmente Hegel torna os homens em pagãos, em raça de animais com o dom do raciocínio. No mundo animal, pois, "indivíduo” sempre é menos importante do que raça. Mas a peculiaridade da raça humana é: justamente porque o indivíduo é criado à imagem de Deus, o “indivíduo” está acima da raça. Isto pode ser entendido erroneamente e terrivelmente abusado, reconheço. Mas isso é o cristianismo. E é aí que a batalha deve ser travada.” Journals. 

Para Kierkegaard a subjetividade isolada é má, assim como a objetividade de Hegel por si só, também é má. Para ele, a única salvação era a subjetividade. Deus era como uma subjetividade infinita e compulsora. Por se tratar o cristianismo de uma religião histórica e em decorrência das críticas desta realidade, Kierkegaard escreveu que os resultados dos fatos históricos para ele eram incertos, o importante era a escolha subjetiva. Crer em Deus era um salto de fé, um comprometimento com o absurdo. A pessoa faz uma escolha por aquele fato histórico porque este significa tanto para ela que até arrisca a vida por ele. “ Então vive; vive inteiramente cheio da idéia, e arrisca sua vida por ela; e sua vida é a prova de que crê”. Não precisa haver provas para a pessoa crer e viver esta fé. A fé é impossível se houver provas e certezas. Sem riscos não há fé, é uma impossibilidade. A fé e a razão são opostas mutuamente exclusivas. 

O autor Colin Browm compara o conceito de Deus de Kierkegaard comum à estória do Mágico de Oz, ou seja, não é tanto a sua existência o que importa, mas o pensamento sobre sua existência. Nesta estória, o homem de palha, o homem de latão e o leão covarde mudam o curso de suas vidas porque crêem no Mágico de Oz. Porém, no final, este mágico é na verdade um homem comum. Do mesmo modo para Kierkegaard, o pensamento a respeito de Deus o impulsionava para reagir, de certa forma, mais do que o encontro com o próprio Deus.

Surge no conceito de Deus no pensamento de Kierkegaard, uma palavra chave: o amor. É por amor que Deus deve decidir-se eternamente a agir, mas como seu amor é a causa, seu amor deve também ser o fim. Deus quer restabelecer a igualdade entre Si e o homem (discípulo), assim com um rei que se apaixona por uma plebéia. Tal idéia per si é incongruente, mas o rei é o rei, acima de tudo. Segundo Kierkegaard, “Deus encontra sua alegria em vestir ao lírio com mais esplendor que Salomão” (Fragmentos Filosóficos, p. 59). O amor de Deus não somente ensina, mas também leva a um novo nascimento do discípulo, passando do não ser ao ser, pois “o fazer nascer pertence a Deus cujo amor é regenerador” (Fragmentos, p. 68). 

Deus busca a unidade, de Si com o não ser do homem. Assim, “para obter a unidade, Deus deve se fazer igual ao seu discípulo”, e para isto toma a forma de servo. Deus sofre a fome, o deserto, tudo experimenta por amor ao discípulo. Kierkegaard afirma que só Deus pode salvar o indivíduo do desespero: “Deus pode a todo instante...” (Chaves, Odilon. Sofrimento e Fé em Kierkegaard, 1978. p. 36). Não seria também por isso que ele afirma que se deve “tremer” diante de Deus? “É impossível enganar a Deus, Ele é o onisciente, o onipotente” (Attack Upon Christendom, p. 255). E ainda, “Ele é o único que tem uma verdadeira concepção do infinito que Ele é” (Attack Upon Christendom, p. 255). 

Por outro lado, Kierkegaard menciona ser fácil o enganar a Deus. Não que Deus não notaria a “presença” do homem tentando agradá-lo. Deus, na verdade, cria uma situação na qual o homem, se ele quiser, pode “enganar” a Deus. Como isto é possível? Deus permite que o homem sofra para que ele perceba que é um abandonado de Deus, e que tenta enganá-lo, e, se Deus, na opinião do homem não está atento para este fato, o homem enganou a Deus (Attack Upon Christendom, p.256). Por isso diz Kierkegaard: “Tremei!”

No tocante à justiça de Deus, Kierkegaard diz que cada criminoso, cada pecador, que pode ser punido neste mundo, pode também ser salvo para a eternidade. Na eternidade, o que será lembrado? O sofrer, aqui, pela verdade. Todas as transações neste mundo têm como filtro o intelectualismo e a espiritualidade, sendo Deus nos Céus o parceiro. 


http://existencialismo.sites.uol.com.br/kierkegaard.htm





sábado, maio 26, 2012

O existencialismo é um humanismo



Ao concebermos um Deus criador, identificamo-lo, na maioria das vezes, com um artífice superior, e, qualquer que seja a doutrina que considerarmos - quer se trate de uma doutrina como a de Descartes ou como a de Leibniz -, admitimos sempre que a vontade segue mais ou menos o entendimento ou, no mínimo, que o acompanha, e que Deus, quando cria, sabe precisamente o que está criando. Assim, o conceito de homem, no espírito de Deus, é assimilável ao conceito de corta-papel, no espírito do industrial; e Deus produz o homem segundo determinadas técnicas e em função de determinada concepção, exatamente como o artífice fabrica um corta-papel segundo uma definição e uma técnica. Desse modo, o homem individualmente materializa certo conceito que existe na inteligência divina. No século XVIII, o ateísmo dos filósofos elimina a noção de Deus, porém não suprime a idéia de que a essência precede a existência.


O homem possui uma natureza humana; essa natureza, que é conceito humano, pode ser encontrada em todos os homens, o que significa que cada homem é um exemplo particular de um conceito universal: o homem.



O existencialismo ateu... Afirma que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define.



O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele fizer si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão somente, não apenas como ele se concebe, mas também como ele se quer; como ele se concebe após a existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do homem é maior do que a da pedra ou mesmo a da mesa. Pois queremos dizer que o homem, antes de mais nada existe, ou seja, o homem é, antes de mais nada, aquilo que se projeta num futuro, e que tem consciência de estar se projetando no futuro. De início, o homem é um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente ao invés de musgo, podridão ou couve-flor; nada existe antes desse projeto; não há nenhuma inteligibilidade no céu, e o homem será apenas o que ele projetou ser.



SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Traduções de Rita Correa Guedes, Luiz Roberto Salinas Fortes, Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os pensadores) 

quinta-feira, maio 03, 2012

Novo Padrão de Consumo




Gilles Lipovetsky respondendo a pergunta: "Quais seriam os principais objetos de desejo nesse novo padrão de consumo?" formulada pela revista Veja no ano de 2002,  Responde que em um primeiro momento, este chamado "novo padrão de consumo", estaria exigindo objetos como a comunicação, através de suas novas e modernas ferramentas, como por exemplo o computador, o acesso à internet (com velocidades vez maiores), telefones celulares (cada vez com mais funções) etc. Atualmente, o bem-estar está associado à mobilidade, ao acesso à informação e à rapidez. O que seduz na comunicação passa, cada vez mais, por tudo que acelera as coisas, pela possibilidade de estar conectado com o externo, com os outros. Em outro grupo, estão os objetos de sedução ligados ao corpo e à saúde. Existe uma verdadeira obsessão pela saúde e tudo que contribui para nos tornar mais jovem e em forma. Uma alimentação mais saudável exerce uma sedução muito forte nos consumidores. É um novo padrão, em que a saúde e a segurança ocupam lugar de destaque. Um forte argumento de venda de carros de luxo, por exemplo, são os sistemas de proteção ao corpo, como o air bag e os mecanismos contra roubo.

Mais sobre "novo padrão de consumo"? visite: http://www.vendas-diretas.blogspot.com


sexta-feira, abril 27, 2012

Cultura, Consumo e Sistemas de Significação


Em “Cultura e razão prática”, Marshall Sahlins (1979) defende a idéia de que a sociedade capitalista, orientada pela racionalidade econômica, como que desprovida das dimensões culturais e do simbólico, é, na verdade, por si mesma, uma forma específica de ordem cultural, pois o universo da produção e do consumo constituem, por meio de suas estruturas econômicas e sociais, produção simbólica dessa sociedade. Vemos, portanto, que não apenas as sociedades ditas exóticas são providas de sistemas de significação que orientam sua dinâmica social, mas a dita racionalização econômica engendra sistemas de valores que passam a ordenar a sociabilidade e tornam-se representáveis por meio das atividades “racionalizantes” de produção e consumo de bens, produtos que, hoje em dia, são muito menos funcionais e muito mais representações simbólicas de estratos sociais e relações verticais de poder, servindo ao antropólogo como bons para pensar a sociedade em que circulam. Se a economia rege a estrutura e as dinâmicas sociais desses grupos, por que não convertê-la em reflexão antropológica em suas esferas mais representativas – a produção e o consumo que, como práticas verdadeiramente rituais das sociedades complexas, representam parte fundamental do sistema de representações na sociedade capitalista?
Podemos, portanto, argumentar que uma antropologia das sociedades complexas deva voltar seus esforços de investigação às estruturas determinantes de tais sociedades, e não à periferia delas, de forma que uma etnografia das relações capitalistas de produção e consumo constitui uma verdadeira etnografia das sociedades complexas, pois investiga não os resultados do sistema capitalista entre as minorias, mas a forma como esse sistema se constitui e se reproduz em suas esferas principais, pesquisando a maneira como sua dinâmica racionalizante orienta as determinantes culturais e os sistemas simbólicos dessas sociedades. Enfatizamos aqui a dimensão simbólica do consumo como prática de representação das estruturas de significação da sociedade capitalista. Consumir torna-se, sob o ponto de vista antropológico, verdadeira prática ritual que representa a organização social e o universo simbólico dessas sociedades, pois, conforme Jean Baudrillard (1997: 206),
o consumo é um modo ativo de relação (não apenas com os objetos, mas com a coletividade e com o mundo), um modo de atividade sistemática e de resposta global em que se funda todo o nosso sistema cultural [...]. O consumo, pelo fato de possuir um sentido, é uma atividade de manipulação sistemática de signos.
Esse modo ativo de relação de que nos fala Baudrillard sugere que o consumo é o deslocamento das relações interpessoais para a representação delas próprias por meio dos objetos. O indivíduo não consome a materialidade do produto (razão pela qual o aspecto funcional dos produtos de grandes marcas é menos importante que seu valor de representação), mas os significados que, por intermédio do produto, geram um conluio social em torno de valores compartilhados pela sociedade capitalista.

“Por uma etnografia das práticas de consumo” - Valéria Brandini
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Tradução de Artur Mourão. Rio de Janeiro: 
Elfos, 1995.
______________.  Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 
1983.
______________. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1997

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO



O avanço tecnológico, a interligação e a interdependência dos mercados financeiros em escala mundial encurtaram as distâncias, unificaram e baratearam a informação e estão promovendo a padronização da cultura e do comportamento por meio de tevês a cabo, filmes, livros, fluxos migratórios e, mais recentemente, da internet.
O movimento da globalização tende a criar uma cultura de consumo padronizada por meio de uma estratégia mundialmente unificada de marketing, destinada a uniformizar a imagem dos produtos aos olhos dos consumidores.
Sob certos aspectos, o mundo está se tornando uma "aldeia global". Empresas gigantescas estão atravessando as fronteiras nacionais e se instalando em vários países; o avanço tecnológico na área da informática e das telecomunicações tem permitido a agilidade nas transações comerciais e no intercâmbio de informações; a abertura dos mercados nacionais às importações, favorecida por baixas tarifas alfandegárias, deu um grande impulso ao fluxo de mercadorias, fazendo explodir o comércio mundial.
O processo de globalização provocou também um efeito devastador; o desemprego, que atinge tanto os países subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África como as nações industrializadas da América do Norte, da Europa e da Ásia.
Na história da formação e consolidação do sistema capitalista, os níveis de desemprego acompanharam as fases de crescimento e de retração econômica, crescendo nos períodos de crise e reduzindo-se logo que a economia dava sinais de recuperação. A partir das últimas décadas do século XX, porém, surgiu uma modalidade de desemprego não decorrente de crises econômicas nem da redução dos investimentos nas atividades produtivas, mas da revolução tecnológica. É o chamado desemprego estrutural.
O desemprego estrutural resulta do avanço tecnológico, isto é, do aperfeiçoamento do processo da capacidade produtiva das empresas pela aplicação de novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho. Se por um lado essas transformações resultam no aumento de produtividade, por outro reduzem a quantidade de trabalhadores necessários à produção, pois fazem com que muitas funções deixem de existir. Por exemplo: o e-mail, mais ágil e prático, substitui a correspondência tradicional, provocando a extinção de postos de trabalho nos correios.
No Brasil, como nos demais países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a globalização econômica tem elevado as taxas de desemprego e ampliado a distância entre ricos e pobres.

terça-feira, janeiro 17, 2012

MOTIM DE CONSUMIDORES EXCLUIDOS

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman considera que "as explosões ocorridas em Londres são uma combinação de desigualdade social e consumismo”.

Radicado em Londres desde 1968, o sociólogo Zygmunt Bauman, afirmou, em entrevista para o Globo, que as imagens da cidade representaram uma revolta motivada pelo desejo de consumir, não por qualquer preocupação maior com mudanças na ordem social. Para ele, a capital britânica viu os distúrbios do consumidor excluído e insatisfeito.

O quão irônico foi para o senhor ver os distúrbios se concentrando na pilhagem de roupas e artigos eletrônicos?

Esses distúrbios eram uma explosão pronta para acontecer a qualquer momento. É como um campo minado: sabemos que alguns dos explosivos cumprirão sua natureza, só não se sabe como e quando. Num campo minado social, porém, a explosão se propaga, ainda mais com os avanços nas tecnologias de comunicação. Tais explosões são uma combinação de desigualdade social e consumismo. Não estamos falando de uma revolta de gente miserável ou faminta ou de minorias étnicas e religiosas reprimidas. Foi um motim de consumidores excluídos e frustrados.

Mas qual a mensagem que poderia ser comunicada?

Estamos falando de pessoas humilhadas por aquilo que, na opinião delas, é um desfile de riquezas às quais não têm acesso. Todos nós fomos coagidos e seduzidos para ver o consumo como uma receita para uma boa vida e a principal solução para os problemas. O problema é que a receita está além do alcance de boa parte da população.

Trata-se de um desafio a mais para as autoridades na tarefa de acalmar os ânimos, não?

O governo britânico está mais uma vez equivocado. Assim como foi errado injetar dinheiro nos bancos na época do abalo global para que tudo voltasse ao normal - isso é, as mesmas atividades financeiras que causaram a crise inicial - as autoridades agora querem conter o motim dos humilhados sem realmente atacar suas causas. A resposta robusta em termos de segurança vai controlar o incêndio agora, mas o campo minado persistirá, pronto para novos incêndios. Problemas sociais jamais serão controlados pelo toque de recolher. A única solução é uma mudança cultural e uma série de reformas sociais. Senão, a mistura fica volátil quando a polícia se desmobilizar do estado de emergência atual.

Mais problemas são inevitáveis, então?

Enquanto não repensarmos a maneira como medimos o bem-estar, sim. A busca da felicidade não deve ser atrelada a indicadores de riqueza, pois isso apenas resulta numa erosão do espírito comunitário em prol de competição e egoísmo. A prosperidade hoje em dia está sendo medida em termos de produção material e isso só tende a criar mais problemas em sociedades em que a desigualdade está em crescimento, como no Reino Unido.

Disponível em: http://migre.me/7zspS