sábado, agosto 31, 2013

ANDROGENIA


CAÇADORES E COLETORES

Fala-se que o homem e a mulher têm diferenças intrínsecas em seus comportamentos sociais e isto, entre tantas outras coisas, é oriundo da forma como o ser humano se organizava na busca da obtenção do alimento. O macho era o caçador e a fêmea uma coletora.

Caçadores ou predadores têm características muito peculiares na busca de alimentos. A caçada é uma técnica muito específica onde o predador deve escolher previamente sua caça e estabelecer uma estratégia que reúna precisão, surpresa, oportunidade, necessidade, vulnerabilidade da presa, etc. Uma vez escolhida a presa, o caçador aguarda as condições propícias para o bote. As técnicas de caça podem ser empregadas em bando, como no caso dos cães, ou individuais, como no caso dos leopardos. O que se deve ressaltar é que a caça tem uma técnica precisa, objetiva e que concentra esforços e energia.

A coleta é uma atividade diametralmente oposta. Os animais que se lançam na floresta em busca de alimentos têm em mente um cardápio aceitável, um menu possível e dentro deste menu deve verificar a qualidade do fruto, ou seja, o coletor trabalha dentro de uma conduta matricial: dispersão e qualidade, isto é, há os frutos verdes, podres e maduros, e há as laranjas, limões, abacaxis, amoras, goiabas, etc. As técnicas de colheita não envolvem surpresa, esforço concentrado, energia focada, precisão, antes, paciência, perseverança, repetição, etc.

O exemplo mais preciso que lembramos à respeito da questão do homem caçador e mulher coletora é o processo de compra. Homens, em média, estão em casa e pensam: preciso comprar uma camisa de no máximo x reais. Neste instante ele pensa na camisa, na loja, na forma de chegar lá e a forma de pagamento, após todo este planejamento preciso, executa ritualmente, num tempo máximo de quinze minutos. As mulheres pensam: preciso ir ao shopping... cinco horas depois ainda estão escolhendo brincos, meias, perfumes, saias, etc.

HOMENS SÃO “NEWTONIANOS” E MULHERES SÃO "HEISENBERGNIANAS”

Homens são racionais, lógicos, calculistas, planejadores, estrategistas, formalistas, enérgicos, duros, estruturados: homens são caçadores. Homens a partir se suas próprias lógicas internas, das verdades individuais, cálculos de riscos e benefícios, cenários e projeções, métodos e técnicas matemáticas, tomam decisões. Decisões endógenas.

Mulheres são intuitivas, táticas, detalhistas, multi-tarefas, estéticas, flexíveis, maleáveis, sensíveis: mulheres são coletoras. Mulheres tomam decisões a partir de suas inserções no mundo, pois percebem o cheiro, as cores, as formas e dialogam com isto nos processos decisórios. Ela não está tão preocupada com as reservas energéticas na hora de obter alimento, mas com a qualidade do fruto que deve consumir. Decisões exógenas.

O Homem é cartesiano, racional puro, dialético. A Mulher é holista, inter-disciplinar, fluídica.

HOMEM É MODERNO. MULHER É PÓS-MODERNA

A Modernidade foi, e é, um pensamento que crê na auto-suficiência humana para obter conhecimentos, desenvolver técnicas e produzir tecnologias que supram todas as necessidades humanas, que visa a felicidade e liberdade.

A Pós-Modernidade não é uma negação da Modernidade, antes é uma negação da metafísica e das metas-narrativas. De fato, aqueles que falam Pós-Modernidade, falam a partir da premissa de que esta seja o meio pelo qual a humanidade cumpra os ideais Modernos: o homem/mulher ser senhor e agente de sua história e por meio de seu esforço auto-suficiente - antropocentrismo - obter felicidade e liberdade. Os ideais Modernos se mantêm, assim, a Pós-Modernidade não nega, antes, incorpora a Modernidade: Moderno e Pós-Moderno misturam os ideais e as técnicas.

A virada da modernidade para a pós-modernidade, da ruptura com o fundamento metafísico, do suporte num Deus Transcendental, fim e finalidade de todo conhecimento, dá-se quando Deus morre e “profetiza-se” um “super-homem” que seja ele mesmo deus. Este andrógeno – macho e fêmea – depois de sobreviver a este trânsito da velha ordem, para a nova ordem, poderia, segundo este profecia, colocar o “super-homem” num lugar soberano, cuja glória fosse restaurada: um trono acima de todos os tronos.

Uma figura iconográfica seria os reis da antiguidade: os reis da Babilônia e os reis Filisteus, ou de Tiro e Sidom. Exemplificando este sentimento, que não é exatamente Pós-Moderno, do deus-rei-homem, temos a fala de um outro profeta: “De novo veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: Assim diz o Senhor Deus: Visto como se elevou o teu coração, e disseste: Eu sou um deus, na cadeira dos deuses me assento, no meio dos mares; todavia tu és homem, e não deus, embora consideres o teu coração como se fora o coração de um deus.”

Como disse Santo Agostinho, o pecado do homem é a soberba. Diríamos até, que temos uma visão muito moralista do pecado, aquela coisa viciada que sempre moraliza a fala e vê homossexualidade, adultério, prostituição – o sexo é um prato cheio – e tantos outros que visam prender-nos à culpa e ao juízo, deixando de lado os símbolos e significações da fala, da expressão da poíesis. Este pré-conceito nos impede de lermos a real mensagem, que jaz no texto.

Esta poíesis de todo super-homem, este ato de fazer se dá na terra, lugar das experiências empíricas, o pó de onde veio o Homem Adão, a mãe lírica dos druidas, das bruxas e dos pós-modernos.

Quanto ainda poderíamos, diante deste niilismo contemporâneo, desta loucura do espírito, desta busca por re-significações... mas não quero enfadar-nos com alucinações de quem está lendo demais e desconstruíndo demais e esperando mais. E como trabalhamos, ainda, somente com textos, vamos ouvir uma música do Gilberto Gil e imaginar que não estamos apenas lendo-a, para relaxarmos e, quem sabe, coletar alguns frutinhos.

Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria
Que o mundo masculino tudo me daria
Do que eu quisesse ter

Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara
É a porção melhor que trago em mim agora
É o que me faz viver

Quem dera, pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera
Ser o verão no apogeu da primavera
Só por ela ser

Quem sabe, o super-homem venha nos restituir a glória
Mudando como um Deus o curso da história
Por causa da mulher (bis)


Super-Homem: a canção
Gilberto Gil

Marcos Nicolini é Bacharel em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e Bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Doutorando pelo Programa de Pós--Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.

domingo, agosto 25, 2013

O CAÇADOR E O JARDINEIRO


Quando perguntado sobre o "fim das utopias" Zigmunt Bauman, um dos pensadores contemporâneos que mais têm traduzido obras que refletem os tempos contemporâneos, nascido na Polônia em 1925, que vive, leciona e produz a partir da Inglaterra, responde com as seguintes metáforas:


"Na era pré-moderna, a metáfora que simboliza a presença humana é a do caçador. A principal tarefa do caçador é defender os terrenos de sua ação de toda e qualquer interferência humana, a fim de defender e preservar, por assim dizer , "o equilíbrio natural". A ação do caçador repousa sobre a crença de que as coisas estão no seu melhor estágio quando não estão com reparos; de que o mundo é um sistema divino em que cada criatura tem seu lugar legítimo e funcional; e de que mesmo os seres humanos têm habilidades mentais demasiado limitadas para compreender a sabedoria e harmonia da concepção de Deus.


Já no mundo moderno, a metáfora da humanidade é a do jardineiro. O jardineiro não assume que não haveria ordem no mundo, mas que ela depende da constante atenção e esforço de cada um. Os jardineiros sabem bem que tipos de plantas devem e não devem crescer e que tudo está sob seus cuidados. Ele trabalha primeiramente com um arranjo feito em sua cabeça e depois realiza. Ele força a sua concepção prévia, o seu enredo, incentivando o crescimento de certos tipos de plantas e destruindo aquelas que não são desejáveis, as ervas "daninhas". É do jardineiro que tendem a sair os mais fervorosos produtores de utopias. Se ouvimos discursos que pregam o fim das utopias, é porque o jardineiro está sendo trocado, novamente, pela ideia do caçador."

Também responde com a mesma desenvoltura e criatividade sobre o que significa essas metáforas para a humanidade contemporânea:

"Ao contrário do momento em que um dos tipos passou a prevalecer, o caçador não podia cuidar do global equilíbrio das coisas, natural ou artificial. A única tarefa do caçador é perseguir outros caçadores, matar o suficiente para encher seu reservatório. A maioria dos caçadores não considera que seja sua responsabilidade garantir a oferta na floresta para outros, que haja reposição do que foi tirado. Se as madeiras de uma floresta forem relativamente esvaziadas pela sua ação, ele acha que pode se deslocar para outra floresta e reiniciar sua atividade. Pode ocorrer aos caçadores que um dia, em um futuro distante e indefinido, o planeta poderia esgotar suas reservas, mas isso não é a sua preocupação imediata, isso não é uma perspectiva sobre a qual um único caçador, ou uma "associação de caçadores" se sentiria obrigado a refletir, muito menos a fazer qualquer coisa.

Estamos agora, todos os caçadores, ou ditos caçadores, obrigados a agir como caçadores, sob pena de despejo da caça, se não de sermos relegados das fileiras do jogo. Não é de admirar, portanto, que, sempre que estamos a olhar a nosso redor, vemos a maioria dos outros caçadores quase sempre tão solitária quanto nós. Isso é o que chamamos de "individualização". E precisamos sempre tentar a difícil tarefa de detectar um jardineiro que contempla a harmonia preconcebida para além da barreira do seu jardim privado. Nós certamente não encontraremos muitos encarregados da caça com interesse nisso, e sim entretidos com suas ambições. Esse é o principal motivo para as pessoas com "consciência ecológica" servirem como alerta para todos nós. Esta cada vez mais notória ausência do jardineiro é o que se chama de "desregulamentação"."

Zygmunt Bauman - entrevista Revista Cult nº 138 

domingo, agosto 11, 2013

DOGMÁTICA EXCLUDENTE


Se por um lado a modernidade trouxe o progresso e o avanço da ciência, por outro também produziu uma crise de sentido que se estabelece, sobretudo com a chamada pós-modernidade (COSTA, 2008, p. 13). A crise da religiosidade moderna é uma oportunidade para se repensar a posição do Ser na sociedade em que vive, através do aniquilamento da metafísica clássica. As influências recebidas por Nietzsche e por Heidegger enfatizam o processo de debilamento do Ser, proporcionando uma nova interpretação da mensagem cristã, “a forma do cristianismo tradicional foi contestada por sua incapacidade de responder aos desafios da modernidade, e a solução foi encontrada numa secularização acomodática” (SOBRINO; WILFRED, 2005, p. 32).

Segundo o teólogo Hans Küng a Igreja cristã se encontra submersa em uma grave crise, “que é necessário descrever com objetividade e sem preconceitos antes de aplicar a terapia adequada. Crise que se plasma, entre outras coisas, em censura, absolutismo e estruturas autoritárias” (2011). Seus sintomas se refletem no esvaziamento cada vez maior das paróquias, fruto de uma mensagem dogmática e excludente. Em seu mais recente livro, Hans Küng (2012) afirma que a Igreja está doente e em estado terminal, e que para sair do estado de quase morte e sobreviver, se faz necessário deixar algumas práticas retrógadas, como por exemplo, o seu posicionamento eurocêntrico e muito menos arrogando-se detentora de uma única verdade.

É natural concluir que não existe mais uma relação entre espiritualidade e cultura no pensamento contemporâneo. O cristianismo contemporâneo não compreende o seu contexto histórico, a sua época, assim como a cultura em que está inserido. Atualmente existe uma crise de significados. O dualismo impregnado ainda na gênese do pensamento cristão proporcionou aos seus fiéis um medo apocalíptico. A religiosidade cristã, na contemporaneidade perdeu o foco e a centralidade no Cristo que fez de sua vida e missão uma práxis pelo amor e pela caridade. O cristianismo contemporâneo tornou-se um grande supermercado, em que seus produtos são orações, novenas, bênçãos, curas, milagres, receitas de felicidade e até da garantia do céu.

Enquanto o homem medievo buscava sentido para a sua existência em bases metafísicas e em seus sistemas simbólicos, como base de sustentação na sociedade em que vivia, com o advento da modernidade os sistemas simbólicos que lhe davam sustentação ruíram e com isso estabeleceu-se uma crise, através da crise das utopias, das ideologias, dos metarrelatos, dos paradigmas que lhes proporcionavam sentido. A mudança de paradigma estabelecida pela modernidade baseou-se na pessoa e não mais em questões metafísicas, a crise que se iniciou na modernidade com o fim da metafísica configurou uma crise sem precedentes da religião, consolidada através da revolução científica.

Bibliografia:

COSTA, Genion Bezerra da. A recepção da pós-modernidade: análise das diretrizes gerais da ação evangelizadora da igreja no Brasil de 1996 a 2006. Recife: UNICAP, 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião), Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2008.

SOBRINO, Jon; WILFRED, Felix. Concilium: revista internacional de teologia. Petrópolis: Editora Vozes, n. 311, mar. 2005. 159 p.

KÜNG, Hans. A igreja tem salvação? o Paulo: Paulus, 2012. 295 p.

______. “Há um cisma na Igreja entre a cúpula hierárquica e as bases”. Disponível em:
cod_Canal=38&cod_noticia=18815>.