quinta-feira, maio 07, 2009

DIZER O TEMPO E A MEMÓRIA

O que é, por conseguinte, o tempo?: Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei!



Refletir acerca do tempo e da memória representou momentos importantíssimos na filosofia de Agostinho (Tagaste, 354 – Hipona, 430), principalmente quando nos referimos ao tempo. Ao tratar da memória, Agostinho utilizou com bastante freqüência das metáforas do lugar e do espaço: “campos e vastos palácios”, “santuários infinitamente amplos”, são alguns exemplos destas metáforas. Apesar de fazer uso de um vocabulário rico, não conseguiu traduzir através de suas palavras o que, de fato, é a memória (a análise sobre a memória encontra-se no Livro X das confissões).

Com o tempo acontece o mesmo. A linguagem não dá conta de definir o tempo, ou seja, não conseguimos atingir o sentido da memória e do tempo, principalmente por sermos impedidos pelas categorias espaciais que utilizamos. Sobre isso, a professora Jeanne Marie, do Dep. De Filosofia da PUC SP, nos diz o seguinte: “é a nossa propensão, quase natural, de falar e de pensar no tempo em termos (em imagens, em conceitos) espaciais que nos impede de entender sua verdadeira natureza”[1].

Agostinho entende que existe outra maneira de pensar o tempo que não em termos espaciais, mas a partir da linguagem, da fala. “Pensar o tempo significa, portanto, a obrigação de pensar a linguagem que o diz e que nele se diz”, ou seja, segundo ele não se pode pensar um sem o outro, pois a linguagem articula o tempo, assim como o tempo articula a própria linguagem.
A memória e a linguagem são, portanto, de suma importância para Agostinho. Em sua tentativa de dizer o tempo, que ele não pensa apenas em termos cosmológicos, como medida de movimento, mas também como interioridade psíquica, “abrindo um novo campo de reflexão: o da temporalidade, da nossa condição específica de seres que não só nascem e morrem ‘no’ tempo, mas, sobretudo, que sabem, que têm consciência dessa sua condição temporal e mortal[2]”.

Para Agostinho a alma é a sede das capacidades humanas de compreensão, percepção, raciocínio, sentimento etc. de todas as potencialidades do espírito. Para ele a alma é a sede do tempo. É preciso para isso ter em mente que o tempo faz parte da criação: o tempo é criatura. Fora da criação existe somente a eternidade de Deus, que consiste na imutabilidade, na ausência de tempo. Desta forma, a eternidade não é tempo infinitamente prolongado, mas uma existência sem nenhum limite, ao contrário da existência humana que é uma distensão, cujas fronteiras são o nascimento e a morte. “É impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras[3].”


Mais sobre Agostinho de Hipona? – Acesse: http://www.vidaslusofonas.pt/santo_agostinho.htm

[1] GAGNEBIN, Marie J. Sete aulas sobre Linguagem, Memória e História. IV. Dizer o Tempo. Rio de Janeiro: Imago, 2005, 2ª Edição.
[2] Ibid, p. 68
[3] AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução J. Oliveira Santos e Ambrósio de Pina. Coleção Os Pensadores, São Paulo: Nova Cultural, 1996, p. 327-328.

  • Excerto da matéria publicada na revista Filosofia (Edição nº 33 de 2009), onde o leitor poderá encontrar a integra do texto de autoria de Ranis Fonseca de Oliveira.

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